Pouco antes do Natal, o Papa permitiu que casais do mesmo sexo fossem abençoados. O Vaticano publicou agora outra declaração sobre a aplicação das diretrizes.
Francisco permitiu que os padres católicos dessem a sua bênção a “casais em situações irregulares e casais do mesmo sexo” – mas apenas sob condições estritas. Críticas massivas vieram de muitos países – especialmente de África, onde a homossexualidade ainda é punível em muitos lugares.
O bispo queniano Paul Kariuki ficou furioso porque Francisco “abriu uma porta perigosa”. As conferências episcopais locais no Uganda, Malawi, Nigéria, África do Sul e Zâmbia também rejeitaram o documento.
O conservador cardeal alemão Gerhard Ludwig Müller chegou a falar em “blasfêmia.”
O Dicastério para a Doutrina da Fé agora se defende das críticas. A declaração “não fornece uma estrutura para distanciar-se dela doutrinariamente ou considerá-la herética, contrária à tradição da Igreja ou blasfema”, afirma.
A declaração enfatiza novamente que tais bênçãos não devem de forma alguma ser equiparadas a uma bênção da igreja num casamento entre uma mulher e um homem.
O Vaticano também quer dar às igrejas católicas em diferentes regiões do mundo alguma margem de manobra sobre como e quando as diretrizes serão aplicadas.
O cardeal Victor Manuel Fernández que, como o Papa, é originário da Argentina, referiu-se às peculiaridades regionais: “Em alguns lugares nada impede a aplicação imediata, enquanto em outros parece necessário não renovar nada e levar o tempo que for necessário para ler e interpretar a declaração.” Ou seja, a decisão cabe ao bispo local.
Depois de se expressar pela primeira vez no site estadunidense The Pillar, o cardeal argentino, na liderança do Dicastério para a Doutrina da Fé desde 15 de setembro, escolheu outra mídia conservadora para responder às críticas formuladas contra o texto publicado pelo Vaticano em 18 de dezembro.
Em uma entrevista ao jornal espanhol ABC, publicada em 27 de dezembro, o cardeal argentino defende a linha da declaração, intitulada “Fiducia supplicans”, assinada por ele e aprovada pelo Papa Francisco.
O documento, insiste o cardeal, não altera em nada o ensinamento da Igreja sobre o sacramento do matrimônio. “O tema central do documento é o valor das bençãos ‘não litúrgicas’, ‘não ritualizadas’”, especifica. Acrescentando: “Não ratificam nada”.
As bênçãos a casais “irregulares”, como divorciados e recasados ou casais do mesmo sexo, “são apenas a resposta de um pastor a duas pessoas que pedem a ajuda de Deus. E nesse caso o pastor não põe condições”.
O cardeal Fernández toma o exemplo de um padre que encontra, durante uma peregrinação, um casal de divorciados, recasado ou formado por pessoas do mesmo sexo.
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“Abençoá-los não é aceitar um casamento, nem é aprovar a vida que levam, nem mesmo é uma absolvição. É um simples gesto de proximidade pastoral que não tem as mesmas exigências de um sacramento”.
O chefe do Dicastério para a Doutrina da Fé analisa o clamor contra o seu texto: “O problema que eles levantam, afirma, é a inconveniência de realizar bênçãos em seus contextos regionais que se confundiriam facilmente com uma legitimação de uma união irregular”.
Depois continua: “A isso acrescenta-se que na África existe uma legislação que penaliza o simples fato de se declarar homossexual com uma pena de prisão, imaginem então uma bênção”.
No continente africano a homossexualidade é de fato proibida em trinta e dois países, uma legislação repressiva que muitas vezes tem o apoio mais ou menos explícito dos bispos católicos locais.
“Na realidade, cabe a cada bispo local fazer o discernimento necessário na sua diocese ou, em qualquer caso, dar orientações complementares”, acrescenta o cardeal argentino, para quem não poderia ser justificada “uma recusa total desse gesto solicitado aos padres”.